Tipo de documento clínico: Ficha principal com dados clínicos, que está à frente dos demais documentos, juntamente com os quais compõem os dossiês de internação do Hospício Nacional de Alienados (HNA).
Anos/período a que se referem o documento: 1903 a 1907
Instituição produtora do documento: Hospício Nacional de Alienados
Instituição de guarda do referido documento: Arquivo Permanente do Centro de Documentação e Memória do Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira (IMASNS)
Comentário geral: Minha pesquisa no arquivo do IMAS-NS com os dossiês de internação de pacientes internados no Hospício Nacional de Alienados (HNA) entre 1903 e 1911, identificou um total de 2.836 entradas de pacientes. Apesar do número significativo de dossiês de internação, é bastante provável que ele não corresponda à totalidade de pacientes internados no HNA durante o período em estudo, considerando-se ao menos dois motivos. Primeiramente sabemos que, em geral, os documentos clínicos acompanhavam os pacientes quando eram transferidos para outras instituições psiquiátricas, e assim os pacientes que deram entrada no HNA entre 1903 e 1911 e que foram encaminhados, posteriormente, para a Colônia de Engenho de Dentro ou para a Colônia Juliano Moreira, por exemplo, tiveram toda a sua documentação remetida para essas instituições. Em segundo lugar, cabe destacar as precárias condições de guarda e preservação da referida documentação em mais de um século, o que nos faz levantar a hipótese de que muitos documentos tenham sido extraviados de algum modo.
Uma característica desses dossiês de internação é a diversidade de tipos de documentos produzidos e guardados durante a entrada e permanência do paciente no manicômio. Essa constatação permite tentarmos reconstruir a lógica institucional de admissão do paciente, bem como observar quais informações foram consideradas pertinentes em momentos específicos da trajetória psiquiátrica do doente no hospício. Identificamos assim a existência de dois grandes conjuntos de documentos clínicos: (i) Livros de observação: documento elaborado, quando da chegada do doente no HNA, por seu Pavilhão de Observação, porta de entrada do HNA a partir da República; (ii) Dossiê de internação: conjunto que reúne documentos produzidos no HNA ou por outras instituições e pessoas quando do encaminhamento do paciente ou durante sua permanência na instituição. Os dossiês de internação do HNA consultados incluem a ficha clínica principal, solicitações de exames; resultados de testes e papeletas. Os documentos produzidos por outras instituições ou pessoas são, em geral, a guia do distrito policial para encaminhamento do paciente, ofícios dos requerentes, ofícios e, por vezes, documentos pessoais como cartas. Cada dossiê está organizado em uma pasta, armazenada junto com outros dossiês em caixas tipo box de papelão.
Esses dossiês de internação, conforme organizados no arquivo do Instituto Municipal de Assistência à Saúde de Nise da Silveira (IMASNS), contêm uma ficha principal de dados clínicos que reúne todos os dados pessoais e de doenças. No período aqui analisado observamos, inicialmente, mudanças nesta fonte primária nos anos de 1905, 1906 e 1907 (Venancio, 2021: 33). Uma nova consulta e análise deste acervo (2023), contudo, traz novas inferências sobre a referida fonte. A hipótese atual de trabalho decorrente desta nova consulta é a de que as alterações nos campos de dados nestas fichas ocorreram apenas em 1905 e a partir de abril de 1906. Foi possível também observar que algumas das mudanças nas fichas principais relativas ao ano de 1905, por exemplo, não parecem corresponder a uma modificação de modelo da ficha principal deste ano, pois nem todas as fichas de 1905 possuem tais mudanças. A hipótese de trabalho é que as diferenças observadas em algumas fichas de 1905 e mesmo de outros anos, na verdade, atestam que se trata de uma segunda via da referida ficha que substitui ou se sobrepõe à ficha original, por vezes deteriorada. Neste sentido, nos casos de elaboração desta segunda via, ela corresponde ao modelo do ano em que fora produzida, e não ao modelo do ano em que o paciente entrou na instituição e quando teria sido preenchida a primeira via. Este é o caso por exemplo das duas fichas de I. G., que deu entrada no HNA em 1905. A segunda via está datilografada e contém foto e campos de informação que não eram próprios dos modelos de ficha de 1905, além de estar assinada por diretor da instituição que assumiu o cargo em 1930. Assim, na análise deste tipo de documentos devemos observar não apenas as informações ali contidas, mas sua própria materialidade e condições de conservação.
Nesta nova análise observamos que a única diferença entre as fichas de 1903 e 1905 é a exclusão do campo de informação “temperamento” mantendo-se, contudo, o campo sobre “constituição”. Já as fichas de internação de pacientes que deram entrada a partir de abril de 1906 apresentam tanto uma diagramação diferente do documento utilizado desde 1903 até março de 1906, quanto um aumento, modificação ou exclusão dos campos a serem preenchidos. O espaço da fotografia surge em abril de 1906, ao mesmo tempo em que se mantém a exclusão do campo “temperamento”, e também é retirada informação sobre “constituição”. Nas fichas entre abril de 1906 e 1907 passam a ser incluídos novos dados, como “causa mortis” e “sexo”, assim como a “seção” na qual o paciente está internado; ainda que em anos anteriores a indicação da seção possa estar manuscrita em algum lugar do documento, sem que haja um campo específico para a mesma. Além disto a ficha principal é ampliada, com espaços determinados no verso da mesma para continuação das informações, instituindo-se um campo específico para “haveres”, isto é, descrição dos pertences do paciente quando de sua entrada. Em muitas fichas o que encontramos neste campo são anotações do tipo “nada consta no livro de registro de objetos de enfermos”. As sucessivas alterações entre 1903 e 1907 demonstram, assim, quais novas informações passaram a ser consideradas relevantes do ponto de vista médico, conforme dados a seguir.
HOSPITAL NACIONAL DE ALIENADOS
- CLASSE: presente em todos os anos na frente da ficha, diz respeito as classes nas quais eram divididos os pacientes na instituição (1ª, 2ª ou 3ª classes eram as classes de pacientes pagantes, classe de indigentes ou D.F., isto é, os custos da internação eram pagas pela administração do distrito federal).
- NOME: presente em todos os anos na frente da ficha.
- FILIAÇÃO: presente em todos os anos na frente da ficha.
- LIVRO DE MATRICULA: presente em todos os anos na frente da ficha.
- FOTOGRAFIA: presente a partir de abril de 1906 na frente da ficha.
- COR: presente todos os anos na frente da ficha.
- IDADE: presente todos os anos na frente da ficha.
- ESTADO CIVIL: presente todos os anos na frente da ficha.
- NAÇÃO: presente todos os anos na frente da ficha.
- CONSTITUIÇÃO: presente todos os anos na frente da ficha até março de 1906.
- TEMPERAMENTO: presente em 1903 na frente da ficha, não aparece em fichas do ano de 1904 nem a partir de 1905.
- PROFISSÃO: presente todos os anos na frente da ficha.
- ESTATURA: presente todos os anos na frente da ficha.
- RESIDÊNCIA: presente todos os anos na frente da ficha.
- NATURALIDADE : presente todos os anos na frente da ficha.
- POR QUEM REMETIDO OU QUEM REQUEREU : presente todos os anos na frente da ficha, a partir de abril de 1906 este campo é dividido em 2 campos distintos – PROCEDENCIA e SOLICITANTE.
- MÉDICO ASSISTENTE: assinatura do médico, presente todos os anos na frente da ficha.
- ENTROU, SAIU, FALECEU: refere-se respectivamente às datas de entrada, saída e falecimento do paciente. Presente em todos os anos na ficha.
- CAUSA MORTIS: presente a partir de abril de 1906.
- DIAGNÓSTICO: presente em todos os anos na ficha.
- OBSERVAÇÕES: presente em todos os anos na ficha.
- TRANSFERÊNCIA, LICENÇA, EVASÃO, REGRESSO: presente a partir de abril de 1906.
- HAVERES: presente a partir de abril de 1906.
Pesquisadora: Ana Teresa A. Venancio
Projeto de pesquisa: El estudio del campo “psi” en América Latina: aspectos teóricos y metodológicos (Projeto PAPIIT IN302917- CEIICH – Universidad Nacional Autónoma de México).
Período da pesquisa: 2015 – 2019
Instituição de ensino e/ou pesquisa: Departamento de Pesquisa em História das Ciências e da Saúde/Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz
Resultados iniciais divulgados em: VENANCIO, Ana Teresa A. La historia en los documentos clínicos psiquiátricos: entre la serie documental y la singularidad de los casos. ORDORIKA, Teresa; GOLCMAN Aida Alejandra (coords.) In: Locura en el archivo. Fuentes y metodologías para el estudio de las disciplinas psi. México: UNAM-CEIICH, 2021, p. 21-54. Disponível em: https://ceiich.unam.mx/libro/?id=694
Como citar esta ficha (ABNT, 2018): VENANCIO, Ana Teresa A. “Fichas Principais do Dossiê de Internação do Hospício Nacional de Alienados (1903-1907)” In: BIBLIOTECA VIRTUAL EM HISTÓRIA DO PATRIMÔNIO CULTURAL DA SAÚDE. Vitrine do Conhecimento História dos Saberes Psi. Galeria de Documentos Clínicos. Rio de Janeiro: Depes-COC-Fiocruz, 2023.
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